"E se o psicólogo me julgar?"

"E se o psicólogo me julgar?"

"Eu tenho medo do seu julgamento"?

"Do meu julgamento a você? Então se sente julgado(a) por mim?"

"Não, não sinto, mas você é uma pessoa também, né".

"As pessoas julgam e o fazem constantemente". Essa é a ideia e o receio de muitos(as) pacientes. Já se sentem tão julgados(as) o tempo todo que inibem frente ao terror de ser julgado(a) por quem espera encontrar um espaço confiável para se haver com suas questões. Observando, entretanto, que espaço terapêutico confiável não é, necessariamente, confortável. Porque é desconfortante lidar com questões pessoais muitas vezes. Mas isso é tempo para outro artigo.

Retomando...nós psicólogos não somos seres superiores ou divinos, e essa separação do 'ser profissional' e 'ser pessoal' é válida para uma série de coisas técnicas, práticas mas não do inconsciente. E aí eu entendo que é legítimo o receio dos(as) pacientes.

A minha escuta é da dor, não dos valores, digo-lhes geralmente. Mas não tomo este tempo para falar de mim e da minha relação com a vida e as des-construções que faço cotidianamente. O espaço de fala continua a ser do(a) paciente. Ele ou ela expõe o medo que é dele(a), eu o(a) ajudo a encontrar ferramentas internas para lidar com isso, mas não assumo o papel de quem lhe vai tirar este medo, confortando-lhe excessivamente sobre a não possibilidade de julgamento. Entendo a clínica e a relação terapêutica como um recorte das relações que se passa fora. E nesse sentido é natural que os afetos que emergem fora do contexto da clínica também ali se fazem presente, dos mais agradáveis aos mais desagradáveis. O que inclusive mobiliza o próprio processo terapêutico.

O(a) paciente faz o trabalho que lhe demanda esforço de falar de si, assim quanto mais permito que o espaço de fala e elaboração seja dele(a), mais ele ou ela também tem a possibilidade de encontrar caminhos para confiar nele(a) próprio(a) e em ressonância no terapeuta. E isso demanda esforço e trabalho também do terapeuta: perceber que naquele encontro é o profissional que é convocado não o sujeito, constatação óbvia de um ponto de vista consciente.

Mas uma vez que o inconsciente do Psicoterapeuta também atua no processo terapêutico, é importante que nós profissionais busquemos o crescimento pessoal, alargar os nossos olhares para as diversas questões e complexidades da vida social, ambiental, política e cultural, para que não apenas nos apropriemos de uma postura profissional aberta e acolhedora, mas que sejamos também sujeitos livres e acolhedores. Daí a urgência e a importância dos profissionais da saúde de se inteirar e implicarem-se com as complexidades sociais (locais e globais), para compreensão não apenas psicológica mas histórica, filosófica e sociológica das diversas formas de agrupamentos e subjetividades.

Entendo que é preciso, sobretudo, sensibilidade com as próprias questões familiares, incômodos, dores e capacidades de se reiventar. A formação psicanalítica insiste nisso, na importância da supervisão, da própria análise e do estudo interdisciplinar constante. Mas não só nesta abordagem, todos os profissionais que buscam o crescimento pessoal e profissional naturalmente seguem este percurso.

O medo do julgamento é oriundo em parte da fantasia, mas é sobretudo na realidade das interações sociais cotidianas que ele se vivifica. Daí minha percepção de que é preciso buscar conhecer a vida e as coisas em todas as suas (ou nossas) estranhezas. E o julgamento equilibrado sobre o mundo pode ajudar a filtrar o que favorece o nosso bem estar, sem ter que determinar o do outro.

Ou seja, julgamento pode ser sintoma, em seu excesso aponta para um sujeito ou sociedade adoecida. E, todos precisamos estar atentos.



Autora: Elaine Andrade - Psicóloga Clínica